sábado, 24 de janeiro de 2009

"Dois Mil e Nove"

"Manuel entrou no átrio do edifício. O ar estava impregnado de pó derivado das obras no piso inferior, uma serra de disco gritava na distância, cheirava a aço e ferro de soldar. Na máquina de multibanco o ecran piscava com publicidade de cores garridas: "A Certificação Energética é Obrigatória"".

Podia ser um excerto do primeiro capítulo do "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" de Orwell, mas o livro é o novo regime de avaliação energética (RCCTE), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009.
Para o leigo, basta referir que todas as habitações compradas desde o início do ano são obrigadas por lei a possuírem um Certificado Energético, que explicita a eficiência energética do imóvel.

Esta classificação - semelhante à que conhecemos nos electrodomésticos - indica uma qualificação geral que depende de parâmetros, tais como o isolamento térmico, sistemas de aquecimento, arrefecimento, águas quentes e fontes de energia renovável do imóvel. As classes vão desde A+ a G (a pior).

Enquanto estudante de engenharia, esta ideia de classificar os imóveis parece-me muito feliz, dado que consegue transmitir de uma maneira simples mas absoluta a qualidade de uma casa em termos de muitos parâmetros que o leigo normalmente desconhece e que têm implicações gravíssimas a longo prazo (tais como os custos para aquecimento e arrefecimento ao longo do ano).
Mas não há bela sem senão, e a perniciosidade da lei faz-se aflorar nos exemplos mais caricatos e inesperados. No caso em questão, o "imóvel" que o leitor pode observar na imagem é uma ruína, construída em 1907 e inserida numa propriedade agrícola, do qual fui proprietário até à uns dias. Qual o meu espanto quando decidi vender o terreno, fui informado pelo notário que teria de possuir um certificado energético para os "imóveis referenciados em caderneta urbana". Tentei explicar à senhora que os ditos imóveis eram ruínas, que não tinham tecto, água canalizada ou electricidade, pelo que não são possíveis de avaliar pelo RCCTE...

Resumindo e concluindo, duas semanas depois já tinha contratado um auditor energético (um dos dois únicos que existem no distrito inteiro!), que se deslocou à ruína, confirmou efectivamente que se tratava duma Classe G (no shit, Sherlock!), e em seguida fui informado que teria que pagar, alem dos honorários do perito, uma simbólica taxa de 51€ à ADENE para receber o meu Certificado (sem o qual a venda não se poderia realizar)...

Ah! Mas era dinheiro que queriam? Porque é que não disseram logo!

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